Obras Primas dos museus da França - uma visão crítica
Artes Plásticas

Obras Primas dos museus da França - uma visão crítica


Neste sábado 5 de setembro, eu tive a oportunidade de visitar a grande tenda atrás do Teatro Nacional que abriga a exposição Obras Primas dos Museus da França, organizada pelo SESC - DF e realizada tendo em vista as comemorações do ano da França no Brasil.

A iniciativa é louvável: reproduções em grande escala de obras pertencentes às coleções de museus franceses. Adelmir Santana, presidente do SESC - DF, explica no folder da exposição que as reproduções são "de altíssima qualidade" e propõe "uma viagem ao mundo da arte e da cultura".

A exposição em si, que pode ser realmente uma forma criativa e interessante de colocar o público leigo em contato com algo parecido com as obras de arte originais, acaba derrapando em alguns vícios que afastam o público que mais poderia lucrar com a mostra: os estudantes de arte. Esse vícios são três, sendo que dois contrariam a própria publicidade em torno da mostra: 1o - as reproduções são de muito boa qualidade, mas ainda estão longe de se assemelharam à experiência real de estar em frente a uma obra de arte; 2o - a escala das reproduções, por incrível que pareça, quase nunca está de acordo com a escala real dos objetos; 3o - a escolha um tanto óbvia na seleção do acervo, que vai pouco além das pinturas, esculturas e objetos que já estamos cansados de ver em milhares de publicações artísticas.

O primeiro problema, da qualidade das reproduções, talvez esteja fora da alçada dos organizadores, pois depende mais do avanço da tecnologia do que da vontade do ser humano. No que se refere às esculturas, apesar do problema óbvio de serem trabalhos tridimensionais, a qualidade é muito boa e é ajudada pela sobreposição das imagens sobre um fundo preto, e merece elogios. O melhor exemplo é a Vênus de Milo, em que podemos perceber bem detalhes do rosto e da textura do mármore.
Mas no caso das pinturas, a qualidade das fotos é um verdadeiro problema. É difícil perceber uma grande mudança entre o que se vê ali e o que encontramos nas reproduções dos livros de melhor qualidade. Uma das maiores diferenças entre a reprodução de uma pintura e o original é a textura e o brilho, que são ignorados nas fotografias mas são parte fundamental da pintura. O reflexo do verniz numa pintura de Ingres ou a textura de um Van Gogh fazem parte do efeito da obra tanto quanto formas e cores, e não encontramos nada disso nessas reproduções. Justiça seja feita: nem na Obras primas dos museus da França nem em outro lugar poderemos encontrar reproduções que façam juz a essas qualidades.
Vênus de Milo.

O segundo problema - o das escalas - realmente parece um enigma, e já se mostra desde o início da mostra, na sessão dos desenhos e aquarelas. Todos ou quase todos os trabalhos pequenos são ampliados nas reproduções da exposição do SESC, e muitas vezes mais que o dobro da dimensão real. Aliás, as legendas das imagens trazem a informações sobre o tamanho real da obra, mas nunca o tamanho da reprodução fotográfica, o que deixa o observador em dúvida sobre o quanto maior é a cópia em relação ao original. Pode-se argumentar que a ampliação ajuda a mostrar os detalhes das obras, mas essa mudança de escala provoca uma situação inusitada, pois o observador é impedido de ver o trabalho no tamanho em que ele foi imaginado e produzido pelo artista, dando ao expectador um produto que o artista jamais poderia imaginar estar criando! Enquanto a redução de dimensão é compreensível em trabalhos como a Liberdade guiando o povo, de Delacroix, é impossível entender porque quase todos os trabalhos em pequenas dimensões são ampliados, como no caso dos desenhos ou da Rendeira, de Vermeer, que na realidade é menor que uma folha de papel A4 mas que é assutadoramente ampliada na exposição. Além disso, algumas bizarrices soam realmente curiosas, como a Vitória da Samotrácia, que é reproduzida de frente e de lado num mesmo painel, sendo que em escalas diferentes. Adeus à ilusão.

Delacroix. A Liberdade guiando o povo.

Vermeer. Rendeira.


A terceira questão, a obviedade nas escolhas, é tanto uma benção quanto um tormento. Claro, quem não gostaria de ter acesso a obras mundialmente famosas, como a própria Vênus de Milo, a Balsa do Medusa, de Géricault, ou a Mona Lisa, de Leonardo? Mas mesmo no hall dos mais conhecidos, faltaram peças fundamentais como A Dança, de Carpeaux ou a Coroação da Imperatriz Josefina, de David. Além disso, o espaço dado ao barroco, ao impressionismo e ao pós-impressionismo parece desproporcional àquele conferido a outros movimentos artísticos. Perdeu-se uma ótima oportunidade de apresentar ao público brasiliense obras como os Nascimento de Vênus de Bouguereau e de Cabanel, ou o Cupido de Bouchardon, que de outra forma jamais seriam vistos por aqui. E, por que não, trazer obras pouco divulgadas de coleções francesas de artistas como Debret ou Taunay? Poderia ter sido um diferencial.

Leonardo. Mona Lisa.

Géricault. A balsa do Medusa.


Carpeaux. A Dança.


David. A Coroação da Imperatriz Josefina.


Cabanel. O nascimento de Vênus.


Bouguereau. O nascimento de Vênus.


Bouchardon. Cupido forjando as armas de Hércules.

Apesar do louvor da inciativa, um estudante de artes pode sair da exposição se perguntando se uma visita à biblioteca não poderia ter feito por ele tanto quanto.
[Marcelo Gonczarowska Jorge]




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