Não se trata de uma visão maniqueísta da realidade, mas de
uma narrativa exploratória dos claros-escuros que lhe definem o caminho. A
inquietação no prazer de por as mãos a fazer coisas define obstinadamente o
processo criativo do João Ferreira, sempre corpóreo, concreto, objectual e
enraizado na intemporalidade do gesto.
A persistente vontade de transformar e reutilizar materiais
desprezados supõe mais que uma crítica ao consumo contemporâneo pois assume a
intervenção como acção sobre o objecto que descontextualizado da sua
funcionalidade é interpretado na obra como matéria-prima. A sujeição aos
recursos desaproveitados não constitui por isso uma limitação, sendo até
propiciadora à continuada experimentação plástica que consolida o percurso do
autor.
Simultaneamente a talha das madeiras autóctones evidencia a
força do território que sempre transpira dos materiais naturais que, com as
mãos, João Ferreira transforma. A Nogueira, o Carvalho, o Castanheiro e o Olmo,
compartem o tempo e o espaço que guardam dentro impondo-se na obra como
elemento revelador do diálogo que com o escultor mantêm. É a esse diálogo que o
autor humildemente se entrega na incessante procura da forma comunicante.
A presente mostra dos trabalhos escultóricos do João Ferreira
reúne as obras produzidas nos últimos meses, ocupando as duas salas de
exposição da galeria.
A primeira sala sugere uma visão irónica do quotidiano, um
quotidiano cheio de figuras risíveis no gesto e na atitude. O humor
confronta-nos com clichés e causas com que a diário tropeçamos, assumindo-se
como resposta compensatória à disfuncionalidade que nos acompanha.
A sala interior provoca uma reflexão mais séria, menos
risível e inquestionavelmente mais perturbadora. Todo o espaço nos confronta
com o Verbo entendido como Palavra, Discurso, Comunicação. O autor usa a
oratória ou as novas e velhas tecnologias da comunicação para tentar entender
ou questionar o aparato criado para facilitar a linguagem. Aos modelos de
comunicação sugeridos opõe a persistência na escuta, sugerindo a humildade
desejável ao entendimento.