Artes Plásticas
Vestido de carne, Lady Gaga e o choque estético
Por Janine Lopes, Laira Carnelós,
Mariana Balduci, Mariana Diniz e Taiane Souza
Hoje consideramos o belo como a qualidade dos objetos em se mostrarem singulares. A beleza é relativa ao sensível: se uma obra te toca, ela é, então, bonita. Se o objeto realiza sua finalidade que é de ser autêntico, singular, sensível, ele carrega um significado que só pode ser percebido na experiência estética. Não temos mais a ideia de um único valor estético baseado nas obras já existentes. Cada objeto estabelece seu próprio tipo de beleza.
Nesse momento a arte rompe com a ideia de ser cópia do real para ser considerada as possibilidades do real. Passa a ser avaliada por sua capacidade de falar ao sentimento. Portanto, só existirão obras feias na medida em que forem malfeitas e não correspondam à sua proposta. Assim sendo, se uma obra é feia, ela não é arte.
Na cerimônia do Video Music Awards [premiação americana para os artistas de música pop] da MTV em 2010, a cantora Lady Gaga entrou em palco vestindo um excêntrico e sombrio vestido ? vermelho, cru, feito de carne! O vestido, que compunha cerca de 40 quilos de peça bovina, causou reações tanto de aprovação como de retaliação dos fãs. Ativistas do PETA [Pessoas Pelo Tratamento Ético dos Animais], ao considerarem que a carne representa ?violência e sofrimento?, convidaram a artista a usar uma recriação do vestido, feita de alface. Mas Gaga se justificou, dizendo: ?Se não defendermos o que acreditamos e não lutarmos pelos nossos direitos, logo teremos tantos direitos quando a carne que cobre nossos ossos. Eu não sou um pedaço de carne?. Devemos considerar a importância e representação estética do vestido para a arte.
Analisando pela semiótica [a partir de Pierce], observamos que o impacto causado pelo vestido de carne usado pela cantora influi percepções sensoriais profundas. Ao considerarmos o material utilizado na confecção da peça, entendemos que a cor vermelha desperta emoções impulsivas, como raiva ou amor, podendo, inclusive, aumentar a pressão cardíaca e aumentar o ritmo da respiração. Essa ideia à primeira vista pode ser dada como óbvia, considerando as características do material - carne - mas, ao pensarmos na sua devida apresentação, percebemos que o que conseguiu chocar foi exatamente sua aparência crua.
O vestido foi produzido pelo designer argentino Franc Fernandez, o qual trabalhou também em outros momentos com a cantora, como no clipe Bad Romance: ele foi responsável pela criação da coroa usada por Lady Gaga. Mas essa não foi a primeira vez em que um vestido feito de carne apareceu no meio estético. Mark Ryden, pintor americano que participou do movimento surrealista pop da década de setenta, também teve grandes criações inspiradas nesse material. Depois de desenhar capas de álbuns para bandas como Red Hot Chilli Peppers, Michael Jackson e Aerosmith, ele lançou uma exposição, em 1998, intitulada de ?The Meat Show?. Na exposição, o artista abordava a contradição entre comer carne, observando a criatura da qual ela provém. Em 2010, Ryden pintou ?Incarnation?, quadro cuja imagem é uma garota usando um vestido de carne em um jardim.
Muito além do choque do vestido de carne, Lady Gaga tem grande representação para a estética e a arte. No clipe da música ?Applause? [canção de seu terceiro albúm de estúdio Artpop] ela conta sobre sua vida pessoal, dando ênfase à sua carreira [e a petição pela aclamação de quem a ama], só que dessa vez, de uma forma iconográfica. Na construção de seu clipe ela faz referências ao Cinema, com alusões a Metrópolis, do alemão Fritz Lang, O Gabinete de Dr. Galigari, do polonês Robert Wiene, e O Sétimo Selo, do sueco Ingmar Bergman; à Arte Clássica, como O Nascimento de Vênus, do italiano Sandro Botticelli; e a elementos da cultura contemporânea, como o biquíni de luvas, desenhado pelo estilista Jean-Charles de Castelbajac, a escultura Balloon Swan (Cisne de Balão, em português), de Jeff Koons, e do ícone David Bowie, além de outros ícones da arte como: Marilyn Monroe, feita por Andy Warhol (um dos precursores da Pop Art) ? uma das mais conhecidas obras do artista, obras de Magritte e até mesmo ao próprio artista Salvador Dalí. Sem dúvidas, é um clipe cheio de singularidades: cada junção de imagem forma outro tema. Quantas mais vezes olharmos o vídeo, mais descobertas fazemos. A Arte é assim, ela sempre faz com que deixemos escapar algo para que tratemos mais a frente, com outros pensamentos, outras ideias. Por isso ela se renova e agrega todo esse valor cultural. O vídeo por si só, tem um propósito que é a história contada pelo modo artístico, levando em consideração as obras-primas dentro das 7 artes existentes, da pintura ao cinema. Lady Gaga utilizou de diversos meios para montar suas alegorias paralelas a uma recente história, passada por uma plástica que é a arte ?para deixá-la bonita novamente?.
A partir de todas essas referências da cantora, é possível, então, traçar um paralelo com o livro ?A Sociedade do Espetáculo?, de Guy Debord. Este livro é essencial para os estudos da indústria cultural. Escrita em 1967, a obra serviu como inspiração para os estudantes franceses na Revolução de 1968. Guy discute as relações entre a sociedade e a indústria cultural, num mundo em que os vínculos tornam-se espetáculo, diante dos meios de comunicação de massa. Ele mostra a dualidade entre o que é representação e o que é real, o que é aparência e o que é o ser, o que é móvel e o que é dinâmico. As pessoas são, a todo o tempo, contaminadas por imagens e informações, e ninguém mais sabe o que é verdade. Verdade e realidade viram tudo aquilo que foi noticiado.
Lady Gaga, portanto, quando se veste de carne [ou todas aquelas roupas exóticas que fazem parte do repertório da cantora], e cria vídeos para suas músicas fazendo inúmeras referências ao meio artístico, está se definindo como artista ou como uma peça de um espetáculo? Os dois. Ela constrói sua figura inspirada em valores estéticos [mesmo que possam ser desagradáveis]. Mas ainda assim, é objeto de uma indústria muito bem pensada que move milhões em torno de uma cultura exclusivamente consumista e líquida.
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