A polêmica do uso de fotografias pelos pintores
Artes Plásticas

A polêmica do uso de fotografias pelos pintores



Trecho do livro Traditional Oil Painting, de Virgill Elliott, em que ele defende que os pintores devem evitar usar fotografias para trabalhar:
A Imagem fotográfica versus a realidade visual

Há uma diferença entre imagens reproduzidas fotograficamente e imagens arquivadas pelo olho e cérebro humanos. O leigo ? na verdade, quase todo mundo ? aceita uma fotografia como sendo um fac-símile perfeito da realidade visual. Contudo, o olho treinado pode perceber as diferenças prontamente. É imperativo que todos os artistas possuam um olho bem treinado, e qualquer um aspirando a tornar-se um artista legítimo tem que procurar desenvolver a faculdade crítica chama de ?o olho?, que [...] é apenas um termo mais curto para ?poder de observação?.

A importância de compreender as diferenças mencionadas acima tem que ser muito frisada. O uso de fotografia como auxílio a um artista é um hábito comum, e é muito tentador voltar-se para a câmera para resolver muitos dos problemas que os artistas encontram. Estudantes de artes e artistas jovens de hoje costumam sucumbir ao apelo para encurtar o processo de aprendizagem, e subsequentemente para encurtar também a execução dos seus trabalhos, em detrimento à sua arte. Encurtar o aprendizado artístico só resulta em arte ruim, um produto que atualmente inunda o mercado.

Isto não quer dizer que o uso de fotografia invariavelmente resulta em arte ruim. O artista bem treinado, dono de um bom olho, de um entendimento sólido dos princípios da realidade virtual e da natureza da luz, pode se beneficiar do uso da fotografia. Tal artista entenderá exatamente como uma fotografia distorce valores, cores e formas, e será capaz de corrigir e ajustar as imagens durante o processo de pintura. Mas para tornar-se um artista capaz de fazer isso, o estudante deve evitar conscientemente o uso de referências fotográficas e trabalhar apenas ao vivo ou de memória até que os princípios da realidade virtual estejam tão arraigadamente assimilados que torna-se virtualmente impossível violá-los. Somente aí as distorções inerentes à fotografia tornar-se-ão óbvias, e somente então os artistas poderão usar bem esse material sem incorporar as falhas ao seu trabalho.

Como, então, a imagem fotográfica difere da realidade visual? Qualquer um sabe diferenciar uma foto e a realidade. E as diferenças que nos permitem distinguir entre uma foto e a realidade são exatamente aquelas diferenças entre foto e realidade. Nós somos capazes de perceber profundidade quando olhamos uma cena, mas uma fotografia da mesma cena não consegue nos convencer de que estamos olhando para outra coisa que não uma superfície plana. Por quê? Há várias respostas para esta questão.

Primeiro, a câmera tem apenas um olho, e nenhum cérebro. Além disso, seu olho é construído diferentemente do olho humano, que é um instrumento de visão muito superior. O espectro de valores (luzes e sombras) que a câmera é capaz de perceber simultaneamente é muito menor que aquele que o olho humano pode perceber. A lente da câmera tem uma curvatura fixa e foca variando sua distância do filme. O olho humano tem uma lente flexível que foca mudando seu formato, e a retina é muito mais sensível que um filme. A retina do olho é curvada, enquanto o filme na câmera ? que corresponde à retina do olho ? é plano. Isso causa maior variação nas distâncias que os raios de luz devem viajar da lente curvada para alcançar os vários pontos do filme. A distância do centro da lente para o centro do quadro do filme vai ser muito menor que a distância da lente para os cantos do quadro. Também há uma grande variação nos ângulos nos quais os raios de luz atingem o filme. O resultado são formas distorcidas. A distância percorrida pela luz a partir da lente do olho para qualquer lugar na retina é bastante consistente, assim como é o ângulo no qual a luz atinge a retina.

Outra diferença entre o olho humano e a câmera é que a câmera vê todos os contornos dentro do seu alcance focal bem definidos, e grava tudo dentro desse alcance com um foco muito definido. O aparelho visual humano inclui dois olhos, cada um dos quais vê um ângulo um pouco diferente (numa forma arredondada), e um cérebro que recebe os sinais. Os dois contornos fundem-se no cérebro, e nossa impressão é de um desfocado variavelmente distinguível, cujo grau depende da forma do contorno e do grau de importância dado à área em questão pelo cérebro. O cérebro também exerce uma função de editor do material cru mandado pelos órgãos sensoriais, focando a atenção nas áreas de maior importância e enevoando as informações menos importantes. Sem essa função, concentrar-se seria muito mais difícil. Por fim, há a distorção de formas na fotografia que é o resultado da diferença entre nossos olhos e a lente da câmera e seu mecanismo de foco, assim como pelo fato de ser o produto de um único ponto de vista (visão monocular). Para a imagem pintada transmitir ao observador a impressão de estar vendo uma cena com seus próprios olhos, a cena tem que ser pintada do ponto de vista de um ser humano vendo a cena com dois olhos humanos, e não como sendo vista pela única lente de uma câmera.

A fotografia colorida usa três corantes transparentes diferentes para espressar a impressão que uma máquina transmite de uma cena, em papel branco ou sobre um filme transparente (transparências ou slides). Um pintor à óleo tem mais de 120 pigmentos à sua disposição para escolher ? alguns opacos, alguns transparentes, alguns no meio. O pintor também pode criar ilusões óticas por meio de veladuras sobrepostas, justapondo áreas pintadas em camadas finas com aplicações de empasto denso e opaco para atingir uma variedade de efeitos maior do que é possível com uma fotografia. O artista vendo a cena com seus próprios olhos verá cores e efeitos óticos além da capacidade de registro da fotografia.

Confiando nos nossos próprios olhos e senso estético (uma sensibilidade que a câmera não tem), e trabalhando com o meio menos limitado que é a pintura à óleo, nós (artistas) podemos produzir imagens que vão além da capacidade da fotografia ? imagens que podem ter se originado, ou que pelo menos podem ser melhoradas, na nossa imaginação. É este fator, a imaginação do artista, que faz cada obra de arte única. É por causa disso que a arte é procurada por colecionadores. Cada obra é única. Não é produzida em massa. Não é o produto de uma máquina produzida em massa. A arte empobrece quando essas qualidades são comprometidas.
Lista de imagens (www.artrenewal.org)
Virgil Elliott ? In the Wings, óleo sobre tela
Han Wu Shen ? Nuvens negras, óleo sobre tela
Patricia Watwood ? Autorretrato no atelier da rua Water, óleo sobre linho




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