O método veneziano de pintura
Artes Plásticas

O método veneziano de pintura


*Baseado no livro de Virgil Elliott, Traditional Oil Painting

O método veneziano é um desenvolvimento do método flamengo de pintura. O método flamengo ?consiste em pintar sombras transparentes e luzes opacas sobre um desenho linear preciso em rígidos painéis de madeira preparados com branco puro.?

Weyden. A deposição da cruz. O trabalho de Van der Weyden é um exemplo de pintura flamenga.

Os precursores do método veneziano foram Gentile Bellini, Ticiano e Giorgione.


Ticiano. Baco e Ariadne.



Giorgione, Idílio pastoril

Diversos artistas célebres da história da arte trabalharam com varioções do método veneziano, entre os quais Rubens, Rembrandt, Poussin, David, Ingres, Gerôme.

Gérôme, Mercado de escravos, 1884


O que ocasionou o surgimento do método veneziano foi, aparentemente, necessidade: a Igreja e os grandes mecenas demandavam pinturas em escalas gigantescas, e construir e transportar painéis de madeira desse porte provou ser muito difícil, e os artistas tiveram que buscar uma alternativa.

A foto acima é da Sala do Conselho do Palácio dos Doges, em Veneza. O painel ao fundo é de Tintoretto. Pinturas nessa escala eram feitas anteriormente na forma de afresco, como o Juízo Final, de Michelângelo, no Vaticano. O surgimento da necessidade de pintá-las à óleo sobre tela obrigou os artistas venezianos a pensarem novas soluções para os problemas ao se trabalhar em escalas gigantescas.


Qual foi a solução? Como Veneza é um grande porto, havia lona em grandes quantidades. A lona era comumente usada na fabricação de velas de barco. A lona provou ser uma ótima solução para pinturas em grande escala, assim como podia ser enrolada e desenrolada para o transporte.
Como a lona é uma superfície mais texturizada que a madeira, algumas mudanças tiveram que ser introduzidas na técnica da pintura à óleo.

Já que as escalas das obras passaram a ser monumentais, o brilho comum na pintura flamenga provaria ser um obstáculo na visualização do trabalho, então os artistas venezianos abandonaram o uso persistente de resinas e bálsamos para concentrar a tinta na mistura de óleo e pigmento. O uso do óleo de linhaça tornou-se padrão, o que tornava a pincelada menos longa. Com a pincelada mais curta e a textura mais grossa, os venezianos preferiam usar pincéis mais duros que os flamengos.

A combinação de pincelada curta, superfície texturizada e pincéis mais duros tornaram a pintura de contornos definidos mais difícil. Assim, de forma geral, os contornos eram deixadas mais indefinidos e eram trabalhados mais definidamente apenas nas áreas de mais importância visual ou onde contornos definidos eram necessários. Essa escolha consciente de contornos mais e menos definidos viria a ser conhecida como o princípio do foco seletivo, em que as áreas menos importantes parecem estar um pouco fora de foco.

Velázquez. Las Meninas. Repare como o pintor espanhol trabalha o contorno das figuras de uma forma muito mais difusa que Van der Weyden.


O uso sistemático do foco seletivo atribuía uma experiência mais próxima à experiência visual da vida real do que os contornos definidos da pintura flamenga.

Vermeer. A arte da pintura ou Alegoria à História. Repare em como Vermeer define mais o foco no pintor do que nos outros elementos da pintura. Esse efeito é mais similar à visão humana, pois o olho é capaz de focar apenas pequenas áreas ao mesmo tempo, enquanto o que está em volta fica sem definição.


Os artistas começavam a pintar com uma base opaca (em oposição a transparente), pintando o ?desenho? direto sobre a tela, deixando os contornos mais ou menos indefinidos para permitir que a pintura fosse sendo construída aos poucos. Após deixar a base secar, o artista poderia pintar as sombras transparentemente e em seguida as luzes, como no método flamengo.


Gilbert Stuart. Retrato. Stuart desenhou com a própria tinta, largamente, os elementos principais da composição. No retrato acima, interminado, vemos ainda o desenho do cavalo e a mão do retratado.



Sobre a base anterior ou em lugar dela, quando a base é feita em cinzas, ela pode ser chamada de grisaille. Ela funciona melhor quando as áreas de sombra não são pintadas tão escuras quanto o valor final desejado, pois as cores sobrepostas podem parecer sem vida.





Ingres. Odalisca em grisaille.


Ingres. A grande Odalisca.



A cor pode ser então trabalhada sobre a base, sendo aplicada em camadas transparentes e trabalhada ainda úmida. Pode-se trabalhar sobre elas enquanto estiverem úmidas ou até chegar-se ao resultado desejado. As camadas podem ser aplicadas umas sobre as outras indefinidamente, dependendo do resultado desejado pelo artista.




Ingres. Princesa de Broglie. Repare que no cantinho inferior do vestido ainda é possível perceber o grisaille que Ingres preparou sob a camada de cor.

A última camada a ser aplicada são as luzes mais fortes, ou os reflexos. Como a tinta a óleo torna-se mais transparente com o tempo, essas luzes devem ser aplicadas em camadas mais grossas.


Frans Hals. Retrato. O estilo solto de Hals permite-nos perceber claramente as pinceladas. As pinceladas feitas sobre o rosto, representanto o brilho da luz, são aplicadas mais grossas e sobre as camadas anteriores de tinta.



Outra forma de veladura, chamada em inglês de scumble, permite a representação de texturas mais suaves, como peles de crianças ou rostos femininos maquiados. Ele consiste na aplicação de camadas finas de um tom mais claro sobre outro mais escuro. Também é muito útil na representação da perspectiva atmosférica.


Ingres. Angélica acorrentada. Essa pintura pertence à coleção do MASP, e nela fica patente a utilização do scumble por Ingres, que era um mestre nessa técnica. Um olhar mais atento sobre o original da obra denuncia claramente a aplicação de camadas de tinta mais claras sobre outras mais escuras, principalmente no braço direito e na coxa esquerda da figura. A técnica do scumble é perfeita para a representação de texturas suaves, como a pele humana.


Outra forma de veladura é aplicar uma cor do mesmo valor sobre outra já seca, em camadas bem finas, para indicar uma suave mudança de cor, como para bochechas e narizes rosados.


Maurice Grun. La petite fermière. Museu Carlos Costa Pinto. Apenas com um estudo mais aprofundado da técnica de Grun será possível determinar se ele aplicou os tons vermelhos no rosto ou nas mãos após pintar o tom médio da pele mas, de qualquer forma, o efeito seria parecido. Alguns artistas preferem aplicar os vermelhos e rosas depois de determinar o tom geral, enquanto outros preferem aplicar antes e alguns preferem fazer os dois ao mesmo tempo.

[Marcelo Gonczarowska Jorge]



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