Evolução é a marca que o tempo deixa na sociedade. Com as transformações do comportamento humano, muitos dos hábitos são modificados para que possam ser incorporados à contemporaneidade. A cultura, analisada justamente pelos costumes dos seres humanos e seus grupamentos sociais, acompanha esse movimento.
Em princípio, os hábitos e costumes eram passados de geração a geração. Para o bem da coletividade, as doutrinas religiosas e suas normas eram os limitadores do comportamento. Com o passar o tempo e a adesão à democracia, a sociedade descobriu um momento revolucionário para a disseminação de novos padrões, porque foram incorporados valores da laicidade, igualdade e liberdade entre os povos. Mas, da evolução, o que pode ser destacado mesmo é o momento em que se originou o termo globalização, no fim do século XX. Com ela, a interdependência entre os espaços geográficos, nações e costumes rompeu barreiras. Disseminaram novos modelos de vida, supervalorizou o futuro e propiciou a quebra de paradigmas e dicotomias, nos seus mais diversos questionamentos contemporâneos.
Foi a partir da globalização que o mundo percebeu o poder do ciberespaço, findou a heterogeneidade tradicional da esfera cultural e permitiu a maior sensação de liberdade a determinadas culturas que precisavam se expandir. É se aproveitando de tanta descoberta e tanta mudança que as multinacionais, grandes empresas e marcas se debruçaram sobre a comunicação de massa, mecanismo fundamental para o relacionamento entre os povos. Divulgam-se na TV, no rádio e na internet padrões de consumo totalmente compatíveis com o modelo capitalista.
A essa inserção da indústria de bens e consumo no relacionamento entre as pessoas surgiu outro termo, o da cultura-mundo. A partir dessa nova visão de padrões de comportamento, as marcas que dominam o mercado aparecem no cotidiano das pessoas e apelam para a rotina de si próprias. Surgem os apelos comerciais em programas de TV, jornais, revistas, filmes e novelas. É sobre o alcance desse público que tratamos: o poder da cultura-mundo na novela, relacionando-os aos padrões estéticos mais comuns na televisão.
O texto ?A Cultura da Mídia?, de Douglas Kellner, apresenta ideias que podem ser relacionadas com as telenovelas. Sabemos que a cultura, numa perspectiva ampla, pode ser considerada como algo que possui participação das pessoas, criação de sociedades e identidades. É o que modela os indivíduos e destaca suas características. Mas então, qual seria a função da Cultura da Mídia? Kellner considera que a cultura da mídia ajuda no processo de criação da identidade das pessoas, mas consegue ir além. O fato dos indivíduos estarem em constante contato com os meios de comunicação e sua programação dominam a vida cotidiana, influenciando ainda mais a criação da identidade pessoal.
A cultura da mídia é uma produção industrial, uma vez que segue um modelo de produção de massa e que é destinado para a massa, seguindo normas convencionais. As novelas são feitas exatamente nesta perspectiva. Basta pensarmos que o enredo e transmissão, por exemplo, são pensados para entreter e agradar o maior número de pessoas.
É interessante notar que as telenovelas são produzidas a partir de estruturas comuns entre todos os enredos. Há sempre o ?vilão? e o ?bonzinho?, o ?rico? e o ?pobre?, o ?bonito? e o ?feio?, o ?certo? e o ?errado? e etc. É uma forma de reprodutibilidade, mas que só faz sucesso porque ao repetir, também se inova. Parece incoerente, mas é bem simples entender. Em cada novela, os personagens e as histórias mudam, mas se adaptam as estruturas citadas.
A novela é uma produção cultural muito presente na vida dos brasileiros. Este intenso contato que a população em geral possui com as histórias influenciam o modo de vida dos indivíduos. A este poder de interferência da mídia na vida das pessoas, Kellner nomeia de pedagogia cultural. As atitudes dos personagens, a construção da história de uma novela e até mesmo o que é exibido pela mídia ?contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar ? e o que não?. São diversos tipos de informação, cultura, política e símbolos apropriados a partir da mídia e também das novelas que direcionam a formação da identidade.
Juntamente por esta capacidade de influenciar a vida das pessoas é que o mercado se utiliza da cultura da mídia. Assim, a cultura do consumo e a cultura da mídia trabalham de forma conjunta para vender. Objetos das tramas passam a ser desejo do público e as grandes marcas, sabendo disso, também anunciam no que chamamos de merchandising. No Brasil, a TV Globo lançou a ?Globo Marcas? em 2000, um setor destinado a vender para o público itens da emissora, evidenciando o sucesso e a importância dos objetos na construção de sentido de uma novela.
Destacamos a novela das nove O Clone, exibida pela TV Globo entre 2001 e 2002. A pulseira da Jade, personagem de Giovanna Antonelli, fez muito sucesso entre as mulheres na época de exibição, que procuravam por este e outros objetos da cultura oriental em lojas pelo Brasil.
A mesma trama das nove serve de exemplo para outro tipo de merchandising: o social. Temas importantes para a sociedade e que algumas vezes passam por despercebido no cotidiano das pessoas encontram na dramaturgia uma oportunidade para chamar a atenção das pessoas. No caso de O Clone, o uso de drogas por uma jovem personagem da classe média foi o merchandising social. A história de Mel, personagem de Débora Falabella, rendeu discussão na sociedade a respeito dos entorpecentes e novas medidas governamentais a respeito deste assunto. Por conta disso, as telenovelas também podem assumir um papel de utilidade pública.
Elegemos algumas telenovelas que se valeram de experimentações estéticas em suas produções. Um excelente exemplo disso foi O Rebu, de 2014. A novela das 11 foi um remake da original de 1974, criada por Bráulio Pedroso e famosa pela cronologia desordenada da trama, pensada justamente para confundir o público quanto ao enredo, que norteia especificamente um assassinato durante uma festa de gala. A história toda acontece durante apenas um dia, alternando flashbacks da festa e dos antecedentes dos personagens suspeitos. Há uma edição exagerada nos cortes bruscos e com imagens turvas para dar um aspecto confuso. A trilha sonora mistura instrumental, típico do clima de mistério, com hits dançantes de festa. Mas o que mais se destaca é a fotografia da novela: ficou a cargo do premiado Walter Carvalho, que optou pela ausência de cor. Curioso pensar que essa versão praticamente em preto e branco contrasta com a original, que foi uma das primeiras telenovelas a cores da Rede Globo.
Confira a seguir a incrível abertura de O Rebu, que apresenta cenários da mansão no dia seguinte à festa e na qual já é possível perceber algumas das características citadas, como imagens turvas e trilha que mescla dance e suspense.
Outra experimentação estética pode ser notada na atual novela das sete da Globo, I love Paraisópolis. Durante as transições de cenas, costumeiramente aplicadas na mudança de um cenário, como do RJ para SP ou vice-versa, não são apresentadas as tradicionais imagens de paisagens das cidades, as praias cariocas ou os centros urbanos paulistas, mas sim detalhes desses lugares. Um par de tênis pendurado no fio dos postes de energia, um menino empurrando seu carrinho de picolé, uma bola batendo na calçada, pedestres caminhando, mas com visão de outros ângulos. As cenas e os acontecimentos comuns do cotidiano são trabalhados, dando um toque mais poético e esteticamente mais bonito à produção.
Já na novela das nove, Babilônia, a estética teve de ser mudada para tentar atrair mais audiência. Duas semanas polêmicas após a estreia do folhetim, uma operação de guerra foi montada pela Globo e a novela foi ?relançada?. Dentre as ações, uma nova e mais colorida vinheta de abertura foi ao ar, com um grafismo estilizado ao fundo e cores mais claras no título ?Babilônia?, substituindo o fundo preto e a fonte vermelha originais. O objetivo, de acordo com a produção, foi deixar tudo mais claro e suave. Confira a mudança.
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